sexta-feira, 16 de abril de 2010

Aquarela do Brasil. No Valor Econômico!


Sexta edição da SP Arte, leilão em Londres e comitê multidisciplinar atestam novos caminhos do mercado de artes brasileiro.

Por Márcio Rodrigues

Nos últimos 15 anos, tornou-se lugar-comum ouvir notícias sobre trabalhos de artistas brasileiros que atingiram cifras expressivas, sendo negociados em galerias, feiras de arte e leilões tanto no Brasil quanto na Europa e nos Estados Unidos. Embalada e influenciada pelo bom desempenho da economia nacional, a arte brasileira vive hoje um momento otimista e efervescente.

Enquanto trabalhos de artistas contemporâneos brasileiros, como Beatriz Milhazes, Ernesto Neto e Cildo Meireles, são avidamente procurados por colecionadores internacionais com a mesma gula com que buscam adquirir obras de artistas que já morreram, como a própria Tarsila, Lygia Clark e Hélio Oiticica, o mercado de arte brasileiro busca cada vez mais sua profissionalização e ampliação.

Se lá fora casas tradicionais como a inglesa Phillips de Pury & Company organizam eventos como o leilão intitulado "Bric" - em referência à sigla econômica que congrega os países de economia emergente, leia-se Brasil, Rússia, Índia e China - que na noite do dia 24 vai dedicar-se à venda de mais de cem trabalhos brasileiros, por aqui, iniciativas como a sexta edição da SP Arte e a reativação do Comitê Brasileiro de Arte Contemporânea indicam um momento cada vez mais sólido de nosso mercado de arte.

Radicada na Argentina em 2004, Fernanda Feitosa, diretora da SP Arte, percebeu que o Brasil não possuía nenhuma feira de arte de grande porte, apesar do crescimento das vendas de obras brasileiras tanto aqui quanto no exterior. Apoiada nessa percepção e na convicção de que o Brasil apresentava um mercado de arte "maduro", com várias galerias importantes e artistas de renome, Fernanda criou a SP Arte em 2005.

A primeira edição da feira reuniu no Pavilhão da Bienal, no Parque do Ibirapuera, 40 galerias brasileiras e 1 estrangeira, além de um público de 7 mil visitantes, número substancioso para um evento de quatro dias, principalmente se for levado em conta que no Brasil o Masp, museu dedicado somente à exibição de obras de arte, foi o mais visitado no país durante os mais de 300 dias em que permaneceu com suas portas abertas no ano passado: recebeu 679 mil pessoas.
Fernanda estava certa ao deduzir que, se "São Paulo é a capital econômica da América Latina", a cidade carecia de uma feira de arte que refletisse não apenas sua importância, mas de todo o Brasil nesse setor. Outro dado surpreendente e desconhecido desse mercado até então é que a SP Arte revelou a existência de um público potencial de colecionadores brasileiros mais jovens, na faixa dos 35 anos, o que pode garantir a continuação do ciclo virtuoso pelo qual hoje passam as galerias e casas de leilão no Brasil.

Sem rodeios, a megamarchand revela que entre 2005 e 2008 o volume de negócios na SP Arte cresceu em média de 10% a 15% a cada ano e em 2009 o crescimento foi de aproximadamente 20%, atestando a afirmação de Fernanda de que as vendas realizadas pela SP Arte no ano passado não foram afetadas pela crise global que prejudicou, no fim de 2008 e durante todo o ano passado, o desempenho de feiras importantes, como a ArtBasel, na Suíça, e a Arco, na Espanha. Para a sexta edição da SP Arte, Fernanda estima que o crescimento dos negócios continuará na casa dos 20%, sendo negociados entre US$ 12 milhões e US$ 15 milhões em obras de arte. Com 80 galerias confirmadas no Pavilhão da Bienal entre os dias 29 e 2, entre elas A Gentil Carioca (RJ), La Caja Negra (Espanha) e Luisa Strina (SP), a SP Arte enfrenta agora um único "problema": selecionar galerias brasileiras para suas próximas edições que mantenham o nível de trabalhos e artistas apresentados similar ao das que hoje compõem a edição atual do evento.

O bom momento do mercado de arte no Brasil estimulou marchands de cinco Estados (PR, RS, SP, MG, RJ) a retomar as atividades do Comitê Brasileiro de Arte Contemporânea. Reunindo órgãos como MinC, Ministério das Relações Exteriores, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Funarte, Fundação Bienal, Agência Brasileira de Apoio à Cultura (Abac), Alessandra d'Aloia, da Fortes Vilaça, o colecionador Fabio Szwarcwald, do Rio, uma galerista - Luisa Strina - e a Fundação Bienal do Mercosul, o comitê tem como metas principais operacionalizar ações de fortalecimento do mercado interno de artes plásticas e promover, ainda mais, a internacionalização desse segmento.

Presidido por Alessandra, sócia-diretora da Fortes Vilaça - hoje considerada uma das mais "internacionalizadas" galerias brasileiras -, esse comitê também tem por objetivo reunir informações sistematizadas do tamanho do mercado de arte brasileiro. A galerista frisa a necessidade de indicar ao governo federal todos os "gargalos existentes no setor para que leis e trâmites sejam revisados" a fim de que, num mundo globalizado, nosso mercado de arte se torne mais ágil e eficiente.

Entre as primeiras iniciativas da associação está a aproximação com o Ministério da Cultura (MinC), um gesto que, além de visar ao melhor desempenho no trâmite de obras de arte do Brasil para o exterior, poderá auxiliar na formulação de estatísticas sobre o real tamanho do mercado de arte no país. Anuários como o "Cultura em Números", lançado pela primeira vez pelo MinC no ano passado, em parceria com o IBGE e a Funarte, dão conta de que hoje no Brasil quase 30% das cidades brasileiras realizam exposições de artes visuais.

Certamente, boa parte dessas mostras é organizada por galerias que têm por objetivo final a comercialização dos trabalhos exibidos. Mesmo com as vendas aquecidas, no entanto, hoje nem o governo nem o mercado sabem mensurar com precisão o tamanho do setor e o que ele representa para a economia brasileira, inclusive em nossa pauta de exportações. A troca de informações entre o Comitê Brasileiro de Arte Contemporânea e o MinC tornará, como observa Alessandra, o setor cada vez "mais ágil e eficiente", como deve ser hoje, aliás, qualquer setor da economia que queira se desenvolver a passos largos.

A carência de dados e cifras sobre o mercado de arte brasileiro, contudo, definitivamente não incomoda os marchands internacionais mais experientes. Na prática, o que leiloeiros e galeristas internacionais perceberam é que a qualidade dos trabalhos brasileiros, principalmente os criados por artistas contemporâneos, tem seduzido cada vez mais colecionadores do mundo inteiro.
Só isso explica o fato de uma tela como "O Mágico", da carioca Beatriz Milhazes, ter sido negociada, em 2008, por mais de US$ 1 milhão pela Sotheby´s em Nova York. Detalhe: Beatriz está viva e é jovem, o que, segundo as regras desse setor, deveria depreciar - ao menos um pouco - os preços de seus trabalhos em leilões internacionais.

Os colecionadores, todavia, parecem ter esquecido ou fazem questão absoluta de ignorar essa regra, comprovando que o "o mercado de arte brasileiro vem crescendo numa trajetória sólida, iniciada ainda no modernismo brasileiro", como observa Fernanda Feitosa.

Estimulada pelo sucesso não só da arte brasileira, mas de todos os países ditos emergentes entre colecionadores europeus, a Phillips de Pury & Company, fundada em 1796 em Londres, decidiu realizar nos dias 23 e 24 um leilão intitulado "Bric" - referência direta ao termo do mercado econômico criado por Jim O'Neill, economista-chefe do Goldman Sachs.

Com expectativa de arrecadar entre 9 e 13 milhões de libras com o leilão de obras do Brasil, da Rússia, da Índia e da China, a Phillips de Pury deverá colocar à venda mais de cem obras de arte brasileiras, que englobam desde o período modernista até o contemporâneo. Em um trabalho de mais de seis meses, a casa de leilões garimpou obras de cânones como Di Cavalcanti, Lygia Clark, Hélio Oiticica, Cildo Meireles, Sérgio Camargo - cuja pintura "Relief" atingiu quase US$ 1,6 milhão em leilão promovido pela Sotheby's no ano passado -, mas também de artistas que hoje despontam no mercado internacional, como a jovem Tatiana Blass.

Em entrevista ao Valor, Rodman Primack, diretor da Phillips de Pury e especialista em arte brasileira, concorda com Fernanda Feitosa ao localizar no modernismo brasileiro e, mais precisamente, na Semana de Arte Moderna de 1922, o início da longa jornada do Brasil para se tornar um produtor de arte reconhecido e com obras comercializadas nos mercados mais importantes do mundo.

Como se lê nos livros sobre arte modernista brasileira, de fato, depois de três anos de fortes articulações pessoais com figuras como o influente marchand francês Léonce Rosenberg e o pintor cubista Fernand Léger, a pintora Tarsila do Amaral abriu sua primeira mostra individual na Galeria Percier, em Paris, em 7 de julho de 1926.

Se viajar para Paris com o escritor Oswald de Andrade, então seu marido, no início dos anos 20 foi para Tarsila seu "bilhete para a modernidade", como escreve o curador Paulo Herkenhoff no catálogo da exposição "Arte Brasileira na Coleção Fadel" (2002), a atitude do famoso casal "Tarsiwald" de organizar uma exposição na capital francesa marca, mesmo que de maneira inconsciente, o início da inserção de obras brasileiras no mercado internacional de arte.

Além disso, oito décadas após causar forte repercussão na imprensa francesa com a primeira individual no exterior, Tarsila voltou a ser notícia em novembro de 1995, quando seu "Abaporu", a tela mais emblemática do modernismo brasileiro, foi arrematado em leilão da Christie's de Nova York por US$ 1,25 milhão, o maior valor pago até então na história por uma obra de arte brasileira. Sem saber ao certo o que estava fazendo, o empresário argentino Eduardo Costantini inaugurava ali uma era em que trabalhos de artistas brasileiros - mortos ou vivos - atingiriam cifras milionárias não apenas no mercado de arte internacional, mas também dentro de nosso país.

Para Rodman Primack, o país tem tudo para continuar crescendo nesse setor: um rico patrimônio cultural, excelente artistas, colecionadores e um interesse internacional crescente pela arte produzida aqui. Tal situação, segundo seu raciocínio, aliada ao desenvolvimento econômico interno dos países que compõem o Bric, pode estimular até a "construção de pontes" entre os mercados de arte espalhados pelo mundo. Visto com ressalvas por Alessandra d'Aloia, que vislumbra na iniciativa da Phillips de Pury a possibilidade de criar um novo gueto para arte dos países emergentes, a exemplo do que antes acontecia no mercado internacional com a chamada "arte latina", o leilão do Bric, de qualquer maneira, atesta a boa fase e o interesse cada vez mais crescente despertado pela arte brasileira aqui e no exterior.

Se a SP Arte, como ressalta a própria Alessandra, foi fundamental para abrir o mercado para compradores brasileiros que jamais pensaram em adquirir obras de arte, iniciativas internacionais como a da Phillips de Pury auxiliam a inserir obras feitas aqui em coleções do mundo todo.

A longo prazo, o ato de colecionar - que nasce quase sempre do gosto do mundo privado - pode ajudar na formação de importantes coleções que poderão ser vistas no futuro em instituições públicas, como bem observa Primack, ao mencionar o destino de acervos particulares que fundaram, com a morte de seus proprietários, por exemplo, importantes museus ao redor do mundo. Para além de todas as cifras e investimentos do presente, esta é a melhor herança e rendimento que um mercado de arte aquecido pode deixar para qualquer país.

Publicado em 16 de abril de 2010

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