quarta-feira, 27 de maio de 2009

Primeiro a grana, depois a caipirinha

Nicole Büsing e Heiko Klaas


Crise? Mas que nada! Em São Paulo, na maior feira de arte da América Latina, os negócios vão de vento em popa – e de maneira bem racional. O mercado internacional cai de boca no modernismo brasileiro e até leva consigo a arte de rua do país.

Caipirinhas, mansões de luxo e loiras exuberantes de salto alto. A piscina é obrigatória e, é claro, com iluminação subaquática. Se estivéssemos no sul da Flórida, na época do boom da Art Basel Miami Beach, o resto da história seria óbvio. Após três drinques no máximo, os convidados continuariam a festa dentro da piscina. À certa altura, não haveria mais contenção e os tablóides obteriam sua história, seguindo o velho lema: esses organizadores de eventos artísticos são loucos.

Porém, em São Paulo, a maior cidade brasileira com mais de 11 milhões de habitantes, o cenário das artes se apresenta mais sóbrio, inclusive em suas festas de lançamento. Formas de comportamento afetado, tipo nouveau-riche, não são benquistas, algo que também se deve ao fato de que os bairros nobres e as favelas nem sempre estão tão distantes, como se imagina.










Interior do pavilhão Ciccillo-Matarazzo

No entanto, no pavilhão da Bienal, no parque do Ibirapuera – criado pelo arquiteto Oscar Niemeyer e considerado o maior pulmão verde da cidade -, o clima é de descontração. Alguns visitantes até desfilam de jogging na quinta feira de arte da SP Arte. Trata-se da maior e a mais importante feira da América Latina. Oitenta galerias, em sua maioria na América do Sul, mas também na França, na Espanha e em Portugal, exercem uma disciplina que recentemente não causou muita alegria aos organizadores da Europa e dos Estados Unidos: a venda de obras de arte em tempos da crise.

Mas, enquanto os números das vendas nas feiras de arte na Europa e nos Estados Unidos sofreram quedas significativas, constata-se um clima de garimpo ao sul do equador: colecionadores brasileiros e internacionais estão açambarcando as últimas peças vendáveis do modernismo brasileiro, cujas obras dos anos 50 aos 80 não precisam temer nenhuma comparação com obras da América do Norte e da Europa.




Mira Schendel, Sem Título, 1984

Até Jay Jopling, o dono de uma célebre galeria de Londres, visitou a feira espontaneamente, embora estivesse, na mesma data, expondo obras de sua galeria White Cube na feira de arte em Hong Kong.

E Sarina Tang, colecionadora, curadora e conselheira de arte de Nova Yorque, diz com propriedade: “Por muito tempo, a arte brasileira moderna foi marcada como arte do terceiro mundo. Parece que agora essa imagem está sendo corrigida num processo sumário.”

Tang, que nasceu em Xangai e cresceu em São Paulo, conhece bem os mercados em alta. Desde o início, ela acompanhou o desenvolvimento deste na China. Lá surgiu, praticamente do nada, uma cena contemporânea que, muitas vezes, seguiu a ordem do vendável e da caça ao efeito, e cujos preços subiram de forma exorbitante devido às atividades de especuladores e leilões.

Tang atesta à jovem cena brasileira um padrão maior de substância. “A arte contemporânea brasileira se serve de um vocabulário bem mais internacional e consistente do que a arte jovem da China ou da Rússia. Por causa disso, desejo a ela um público mais amplo.”

Fernanda Feitosa, a diretora da feira, expressa um ponto de vista semelhante. Ela também espera que a tendência seja menos extrema que na China. “É bem provável que, um dia, os preços também exacerbem aqui. Mas, a longo prazo, dinheiro demais no mercado não é bom. Seria melhor se pudessemos nos desenvolver passo a passo.”

Por que será que os especialistas consideram o Brasil um dos centros do modernismo internacional? Felipe Chaimovich, curador no Museu de Arte Moderna de São Paulo, esclarece o assunto:



Helio Oiticica, Grande Núcleo, 1960 (Fonte: Projeto Hélio Oiticica)

“Nos anos 50, o Brasil se posicionou de uma forma completamente nova: como poder de liderança da América Latina e do terceiro mundo. Oscar Niemeyer realizou Brasilia, a nova capital, e a Bienal de São Paulo ganhou um nível de padrão internacional. Naquela época, artistas, como Lygia Clark ou Helio Oiticica, comecaram a produzir a arte neoconcreta que também foi reconhecida internacionalmente.”

Embora tenha sido um advento tardio, é exatamente esse tipo de arte que agora está sendo procurado por colecionadores e museus do mundo inteiro. As esculturas desdobráveis e frágeis de aço fino de Lygia Clark; os trabalhos delicados de papel de Mira Schendel; ou um biombo de Ivan Serpa, pintado com formas reduzidas e geométricas. Na SP Arte, tais obras são adquiríveis – no entanto, a preços que, em geral, estouram os orçamentos dos grandes museus internacionais.

Segundo Emma Lavigne, curadora do Centre Pompidou de Paris, isso coloca os museus numa posição de desvantagem. “Às vezes, leva de seis a sete meses, ou até um ano, para um museu como o Centre Pompidou aprovar uma aquisição, porque o processo passa por mais de uma instância. Já os colecionadores particulares podem reagir bem mais rápido.

Em cartaz na Art Basel: Arte de Rua de São Paulo

Porém, para quem acredita que a High Art dos museus seja um tema batido, terá sua recompensa em São Paulo mesmo assim. A arte do grafite, criativa e colorida, está surgindo em todos os cantos da cidade. Desde que o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, proibiu os outdoors e as propagandas luminosas na paisagem urbana, há muito mais área à disposição dos grafiteiros. Os protagonistas da cena são notórios.

Atualmente, os gêmeos Gustavo e Otavio Pandolfo, 34, estão em voga.

Suas pinturas de um colorido intenso acharam a trilha para a primeira liga da cena de arte brasileira: a famosa galeria Fortes Vilaça vende as obras com grande sucesso. O fato de os gêmeos continuarem ativos no espaço urbano é uma questão de honra.


Kboco

O colega Kboco, 31, também fez sucesso. Seus sistemas geomêtricos e harmônicos de linhas e círculos se encontram nas fachadas de muitas cidades brasileiras. O trabalho dele será exposto este ano, pela primeira vez, pela Galeria Marilia Razuk na famosa Art Basel.

O motor da cena é o ágil galerista Baixo Ribeiro. Cinco anos atrás, ele fundou o “Choque Cultural”, um espaço para novos talentos. Antes disso, Ribeiro marcava presença em cenários de skateboard e da moda. Foi assim que ele entrou em contato direto com as celebridades do grafite. Hoje Ribeiro as interliga com os sprayers de Nova Yorque, Los Angeles, Paris e Londres. Como a maioria dos colecionadores de Baixo Ribeiro aprecia a pintura contemporânea, ele consegue lhes transmitir que a Arte de Rua de São Paulo é de alta qualidade pitoresca, tanto nas fachadas quanto na tela.

Ribeiro: “Quem pinta na rua, recebe um feedback direto do público. Quando as pessoas não gostam de algo, aquilo desaparece em poucos dias. Do contrário, os bons trabalhos ainda permanecem no espaço urbano por mais de 10 anos.”

Publicado em 27/05/09

Fonte: Peter Hilgeland
Original: Spiegel Online

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